A obesidade é uma condição crônica que afeta milhões de pessoas em todo o mundo e tem sido reconhecida pela medicina há mais de 2.500 anos, desde os escritos de Hipócrates. No Brasil, os dados da Pesquisa Nacional de Saúde de 2020 revelam um cenário preocupante: um em cada quatro adultos tem obesidade, totalizando cerca de 41,2 milhões de pessoas, enquanto mais da metade da população, aproximadamente 96 milhões, apresenta excesso de peso.
Esse quadro tem se agravado devido a fatores biológicos, sociais, econômicos e culturais, incluindo mudanças significativas no padrão alimentar e no estilo de vida. A redução do consumo de alimentos in natura e o aumento da ingestão de ultraprocessados, somados ao sedentarismo impulsionado pelo uso excessivo de telas, contribuem para o avanço da obesidade.
Além dos impactos físicos, como o aumento do risco de doenças cardiovasculares, diabetes e câncer, a obesidade também pode levar à discriminação e afetar a saúde mental dos indivíduos.
Diante desse cenário, torna-se essencial discutir as estratégias para o tratamento da obesidade. Como uma condição influenciada por múltiplos fatores, seu manejo deve envolver abordagens estruturadas, que vão desde mudanças no estilo de vida e reeducação alimentar até o uso de intervenções médicas e políticas públicas que promovam ambientes mais saudáveis.
A importância da perda de peso
A perda de peso é essencial para reduzir os riscos associados ao sobrepeso e à obesidade, como diabetes tipo 2, hipertensão, dislipidemia e doenças cardiovasculares. Além disso, melhora condições como apneia do sono, incontinência urinária e esteatose hepática, promovendo maior qualidade de vida e mobilidade.
Estudos mostram que abordagens baseadas em mudanças no estilo de vida, medicamentos ou cirurgia bariátrica reduzem fatores de risco cardiovasculares e podem levar à remissão do diabetes tipo 2.
Perdas acima de 10% do peso corporal estão associadas a menores taxas de eventos cardiovasculares e menor necessidade de medicamentos, reforçando a importância do controle do peso para a saúde geral.
Tratamento Inicial da obesidade
O tratamento da obesidade deve ser baseado em uma abordagem abrangente que combine mudanças no estilo de vida, ajustes na dieta, prática de exercícios e estratégias de modificação comportamental. Essas medidas são fundamentais para alcançar e manter a perda de peso de forma eficaz.
Intervenção no estilo de vida
A primeira etapa no manejo da obesidade envolve mudanças estruturadas no estilo de vida. Isso inclui a adoção de uma dieta equilibrada, prática regular de exercícios físicos e a implementação de estratégias comportamentais que favoreçam a adesão ao tratamento.
Um exemplo de programa bem-sucedido é o Programa de Prevenção do Diabetes, que foi utilizado no estudo Look AHEAD. Os principais objetivos dessa intervenção são:
- Perda mínima de 7% do peso corporal, por meio de uma dieta hipocalórica e com baixo teor de gordura.
- Prática de pelo menos 150 minutos de exercícios semanais, como caminhadas rápidas.
- Uso de técnicas comportamentais, incluindo monitoramento do progresso, estratégias individuais de adesão e suporte clínico.
Esse tipo de abordagem mostrou-se mais eficaz na prevenção do diabetes do que o uso de medicamentos como a metformina, reduzindo o risco da doença em 58%, comparado a 31% no grupo que utilizou a medicação.
Revisão de medicamentos
Outra etapa essencial do tratamento inicial é revisar os medicamentos utilizados pelo paciente. Alguns fármacos podem contribuir para o ganho de peso e, sempre que possível, devem ser substituídos por alternativas neutras ou que promovam a perda de peso. Essa mudança pode evitar a necessidade de medicamentos específicos para a obesidade.
Terapia dietética
Diversas estratégias alimentares podem ser utilizadas para promover a perda de peso. As opções incluem:
- Dietas balanceadas de baixa caloria.
- Dietas com baixa gordura e baixo teor calórico.
- Dietas com redução moderada de gordura e calorias.
- Dietas com baixo teor de carboidratos.
- Dieta mediterrânea.
- Jejum intermitente.
Independentemente do tipo de dieta adotada, o fator mais importante para o sucesso é a adesão do paciente. Estudos mostram que a maioria dos indivíduos perde peso quando segue uma dieta com ingestão calórica abaixo de 1000 kcal/dia. No entanto, dietas muito restritivas, como as de 400 a 800 kcal/dia, não demonstraram maior eficácia na perda de peso devido à adaptação metabólica do organismo.
Dietas de muito baixa caloria podem ser indicadas em casos específicos, como para pacientes com diabetes mellitus tipo 2 não controlado, hipertensão ou aqueles que precisam perder peso rapidamente antes de cirurgias (como cirurgia bariátrica ou transplantes).
Exercícios físicos

A prática regular de exercícios desempenha um papel fundamental na manutenção da perda de peso, além de trazer benefícios para a saúde cardiovascular e a preservação da massa muscular. Recomenda-se:
- Pelo menos 30 minutos de atividade física, de cinco a sete dias por semana.
- Aumento gradual da intensidade e da frequência dos exercícios.
- Combinação de treinamento aeróbico e de resistência.
Embora o exercício por si só não seja tão eficaz na perda de peso quanto a restrição calórica, ele contribui para evitar a recuperação do peso perdido e melhora a composição corporal.
Modificação comportamental
A terapia comportamental é essencial para ajudar os pacientes a adotarem mudanças sustentáveis na alimentação e nos hábitos de vida. Essa abordagem inclui:
- Monitoramento da ingestão alimentar e da atividade física.
- Identificação e controle de gatilhos emocionais e ambientais que levam à alimentação excessiva.
- Participação em programas estruturados, conduzidos por psicólogos ou profissionais especializados.
O acompanhamento contínuo é fundamental para o sucesso do tratamento. Se, após seis meses, a perda de peso for inferior a 5% do peso corporal inicial, outras estratégias devem ser consideradas.
Tratamento medicamentoso
A terapia medicamentosa pode ser uma opção útil no tratamento da obesidade, especialmente para pessoas com IMC acima de 30 kg/m² ou entre 27 e 29,9 kg/m² quando há comorbidades associadas ao excesso de peso.
Seu uso é recomendado quando as estratégias de mudança no estilo de vida não resultam em uma perda de pelo menos 5% do peso corporal dentro de três a seis meses. A decisão de iniciar a medicação deve ser individualizada, considerando cuidadosamente os benefícios e riscos de cada alternativa terapêutica.
Os medicamentos mais indicados hoje são os chamados agonistas do receptor GLP-1, como tirzepatida, semaglutida e liraglutida. Eles atuam no organismo ajudando a reduzir o apetite e aumentando a sensação de saciedade. Entre eles, a tirzepatida tem mostrado os melhores resultados para perda de peso, principalmente em quem não tem problemas cardíacos. Já para quem tem doença cardiovascular, a semaglutida é a mais recomendada porque, além da perda de peso, também traz benefícios para o coração.
Outros medicamentos disponíveis são a combinação fentermina-topiramato, que ajuda a diminuir o apetite e aumentar o gasto de energia, e naltrexona-bupropiona, que pode ser útil para quem tem compulsão alimentar.
O orlistate também é uma opção, mas age de forma diferente, reduzindo a absorção de gordura pelo intestino. Ele é mais indicado para pessoas que têm hipertensão ou problemas no coração, porque não afeta a pressão arterial nem a frequência cardíaca.
Quem começa um tratamento com esses remédios precisa de acompanhamento médico, pois cada pessoa responde de um jeito e pode ter efeitos colaterais. Alguns dos mais comuns são enjoo, diarreia e dor de cabeça. Além disso, se depois de três meses o remédio não estiver funcionando bem (ou seja, se a pessoa não perdeu pelo menos 5% do peso inicial), pode ser necessário trocar por outra opção.
É importante saber que, se o medicamento for interrompido, há um risco alto de reganho de peso. Por isso, a obesidade deve ser vista como uma condição crônica, e o tratamento pode precisar ser contínuo para manter os resultados.
Outras formas de tratamento
Além dos medicamentos, existem outros tratamentos para a obesidade que podem ser considerados dependendo do perfil do paciente. Entre eles estão os dispositivos médicos, a endoscopia bariátrica e a cirurgia bariátrica.
Dispositivos médicos
Os dispositivos são indicados para pacientes que não podem ou não desejam utilizar medicamentos ou realizar cirurgia bariátrica. No entanto, seu uso pode ser limitado devido ao custo elevado, já que muitos planos de saúde não cobrem essas terapias.
- Balão intragástrico: Esse método envolve a colocação de um balão preenchido com solução salina dentro do estômago, criando uma sensação de saciedade e ajudando na redução do apetite. Ele é indicado para pacientes com IMC entre 30 e 40 kg/m² que tenham comorbidades associadas à obesidade ou que não conseguiram perder peso apenas com dieta e exercícios. A perda de peso esperada varia entre 6% e 15% do peso corporal. No entanto, o peso pode ser recuperado após a remoção do balão, que geralmente ocorre após 6 meses.
- Endoscopia bariátrica: Inclui procedimentos como a gastroplastia endoscópica em manga, que reduz o volume do estômago por meio de suturas, sem necessidade de cirurgia aberta. Esse método pode levar a uma perda de peso entre 13% e 20% em 12 meses.
- Sistemas de esvaziamento gástrico e hidrogéis: Embora tenham sido utilizados no passado, esses métodos já não estão mais disponíveis nos Estados Unidos.
Cirurgia Bariátrica
Para pacientes com IMC acima de 35 kg/m², ou IMC entre 30 e 34,9 kg/m² com diabetes tipo 2, a cirurgia bariátrica pode ser uma opção eficaz. Esse tipo de procedimento pode levar a uma perda de peso de até 40% em 12 a 18 meses e tende a ser mais eficaz a longo prazo do que métodos não cirúrgicos.
Além da perda de peso, a cirurgia bariátrica também reduz a incidência de doenças associadas à obesidade, como diabetes, hipertensão e dislipidemia. Estudos mostram que pacientes submetidos à cirurgia têm menor risco de mortalidade e menos eventos cardiovasculares graves quando comparados àqueles que utilizam apenas medicamentos como os agonistas do receptor GLP-1.
Tratamento individualizado
Com o avanço da medicina, o tratamento da obesidade evoluiu para oferecer diversas opções, incluindo medicamentos, dispositivos médicos, endoscopia bariátrica e cirurgia. No entanto, não existe uma solução única para todos os pacientes.
A escolha do tratamento ideal deve ser feita de forma individualizada, considerando fatores como o grau de obesidade, a presença de doenças associadas e as preferências do paciente.
Independentemente da abordagem escolhida, o sucesso do tratamento depende do acompanhamento médico contínuo e da adesão a hábitos saudáveis. A obesidade é uma condição crônica, e seu manejo deve ser personalizado para garantir resultados eficazes e sustentáveis a longo prazo.



